Agora há pouco, mergulhado na noite silenciosa e melancólica de hoje, acabei a leitura do livro Contos clássicos de vampiro, lançado nas livrarias do Brasil pela editora Hedra. O livro – como o próprio título já sugere – é uma coletânea de histórias clássicas sobre vampiros, textos que vão desde o inglês Lord Byron até M. R. James, mestre na arte de contar histórias de horror. Se não estou equivocado, é certo que nenhum conto data de além do século XIX. São clássicos mesmo, no estrito sentido da palavra.
Depois de ter lido dois contos do livro na própria livraria – Fragmento de um romance e Porque o sangue é vida – tomei vergonha na cara e comprei a coletânea. Já tinha certeza de que não ia me decepcionar. Quando eu encontro um livro por acaso numa prateleira, começo a lê-lo e ele simplesmente não sai das minhas mãos, posso garantir a mim mesmo que não vou perder dinheiro se comprá-lo.
E não me arrependi mesmo. Todas as histórias são perfeitas no objetivo de entreter o leitor. Por isso, suponho, são clássicas: se passaram centenas de anos entretendo leitores de incontáveis gerações, não há motivos para não continuar publicando-as. E acho mesmo necessária uma coletânea desse tipo, porque, depois de Crepúsculo (cujo filme adorei) a banalização acerca do tema "vampiro" ficou beirando o insuportável. Parece que centenas de escritores que não conseguiram a fama de outro modo estão pegando carona em Stephanie Meyer - autora que, por sinal, é na maioria das vezes injustamente criticada*.
Adoro a linguagem utilizada nesses textos que datam do século XIX e começozinho do século XX. Eu diria que é uma linguagem que consegue ser precisa e floreada ao mesmo tempo, fechada e aberta, transgressora e conservadora, sem nunca perder a elegância. Uma boa literatura depende essencialmente de como é escrita, e garanto que, nessa questão estética da linguagem, as obras do passado superam muitas das atuais.
De todos os contos do livro, certamente o mais profundo e interessante de todos – embora todos sejam interessantes – é A morta amorosa, do genial Théophile Gautier. A posição intermediária entre o sagrado e o profano que o pobre pároco Romualdo se situa suscita inúmeras reflexões dignas de nota, muito bem escritas, aliás, além de desenhar a imagem do vampiro sob outro prisma, não-convencional.
Essa coletânea vem dotada de um grande prefácio e um grande posfácio. O primeiro é uma introdução escrita por Alexander da Silva, que traça todo o perfil histórico do vampiro, desde as suas origens inicialmente eslavas até o papel que a figura folclórica desempenha no cinema. Vale muito a pena ser lido. O segundo, posfácio, é um apêndice generoso que contém poemas de grandes escritores – Goethe incluído – acerca do tema.
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* Meyer é comumente criticada pelas inovações que apresentou no universo dos vampiros, como a característica questionável do personagem Edward Cullen de brilhar ao sol. No entanto, um olhar mais cuidadoso sobre a história da literatura vampiresca indica que vários autores de diferentes épocas modificaram a lenda clássica a seu bel-prazer, consolidando características que, naquele tempo, não eram bem-vindas, mas que hoje são tidas como imutáveis. A saga Crepúsculo ainda é muito recente na história da literatura para que se possa aferir sua verdadeira influência.
Marlo, penso que a trilogia escrita pela Stephenie Meyer usou uma receita fraca para atrair jovens e ganhar dinheiro fácil.
Fiz algumas leituras ao longo dos anos, confesso que esse tema sempre atraiu muito a minha atenção, e acompanhei histórias típicas de vampiros com aparência monstruosa, sinistros e de frieza incalculável.
O Drácula de Bram Stoker oscila entre o charmoso e sinistro. Os vampiros de Anne Rice são mais finos e, mesmo com suas paixões, sentimentos, é através do sangue que sobrevivem e não são capazes de resistir a presença de um humano(Entrevista com o Vampiro - um dos contos mais famosos da escritora).
Mesmo com essas mudanças convenientes, as melhores histórias respeitam um certo padrão nas características.
Ótimo texto, como sempre!
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Olá, Gabriela! Valeu pela reflexão! :)
Eu diria que 'Crepúsculo' é a releitura da tradição vampiresca para o século XXI, assim como algumas adaptações cinematográficas sobre o tema o foram para a década de 1990. Um produto do seu tempo, por assim dizer.
Comparo algumas idéias de 'Crepúsculo' com as do conto 'O vampiro', de John Polidori. Nesse conto de 1819(!), o vampiro aparece como um ser do presente - com todos os costumes da época presente, incluindo as vestimentas - e passeia livremente pelos humanos, sem se sentir possuído por um movimento de ataque. De fato, ele ataca visando não apenas o sangue, mas algum tipo de relação erótica com a vítima, que pode surgir do seu envolvimento com ela. De modo que a relação do vampiro com a sua presa ganha mais destaque na narrativa do que a necessidade do sangue em si. Mais 'Crepúsculo' que isso, impossível! haha
E veja que o conto foi publicado há quase duzentos anos. Ou seja, a literatura vampiresca está em constante mutação, geralmente se transformando para atender algumas demandas de sua época. Penso até que não existe um padrão fixo na lenda, já que a lenda é a própria construção e desconstrução desses modelos :)
Grande abraço!