Hoje aconteceu uma coisa inédita: li um livro inteiro em pé. Tudo bem, pode não parecer grande coisa quando se trata na verdade de uma graphic-novel com poucos diálogos, mas o fato é que, mesmo no desconforto de estar escorado em uma coluna e recebendo um jato gélido do ar-condicionado na cara, li de ponta a ponta o mais novo álbum da editora Ática.
Estamos falando de Fantasmópolis (Ghostopolis, 2011), escrito e desenhado por um artista bem conceituado e conhecido nos Estados Unidos: Doug TenNapel. Os nintendistas dos anos 1990 certamente já estão familiarizados com uma das suas principais criações, que virou ícone nerd no mundo dos gamers: a minhoca esquisita Earthworm Jim, protagonista de um dos jogos mais singulares e difíceis da Nintendo. Lembram?
Minha proeza de hoje se deu totalmente por acaso, assim como todas as outras poucas proezas que já consegui realizar na vida. Eu estava passeando pela minha livraria predileta com meu irmão, quando, de repente, ele me convidou para dar uma olhada na seção dos quadrinhos. Fomos. Cheguei lá, puxei um volume a esmo da estante e, sem sequer olhar o título, comecei a lê-lo: não deu outra. Quando eu me dei conta de que já estava na metade do álbum, decidi que não tinha outra opção que não fosse terminá-lo ali mesmo.
O enredo de Fantasmópolis é do tipo comum que, se for bem trabalhado, pode arvorar uma história em grande parte original e dotada de vida própria. Sei que parece algo contraditório, mas é o mesmo tipo de história encontrada em, por exemplo, A história sem fim: um argumento comum que recebeu um trato extremamente cuidadoso e que, por isso, agora goza de originalidade. (Só para constar, esse é o único paralelo que traço entre a obra de Michael Ende e a graphic-novel de TenNapel. De resto, vale frisar, as duas coisas nada têm em comum.)
Fantasmópolis possui um traço artístico bem esparso e livre de detalhes, assim como boa parte das graphic-novels modernas. Embora seja simples, seu desenho não é nem um pouco ruim, e é a própria simplicidade que transmite para o leitor o caráter leve, ágil e bem-humorado da obra. Foi essa agilidade de ritmo que me permitiu ler o álbum em pouco mais de uma hora, e nesse aspecto há um lado bom e outro ruim. O lado bom é que a economia de palavras e quadros dá à obra em questão uma espécie de "personalidade" própria, enxuta e direta. O lado ruim dessa frugalidade, por sua vez, pode ser percebido em passagens que mereciam (e não tiveram) um melhor cuidado na narrativa, um compasso mais lento e detalhado.
Ser objetivo e dar poucas explicações é um traço característico de TenNapel – isso a maioria das pessoas que acompanham o seu trabalho sabe. Às vezes (e isso vale para Fantasmópolis), podemos até preencher lacunas com a nossa imaginação particular, explicando coisas e detalhando cenas que o autor se absteve de descrever. No entanto, apesar desse exercício agradável de literatura, diversas vezes percebi no álbum uma agilidade e uma rapidez que não combinavam com o "clima" da cena. Essas passagens (penso eu, na minha incipiente experiência com graphic-novels) demandam um trabalho atento e cuidadoso que o seu autor não lhes conferiu.
Mesmo com essa leve escorregada, Doug TenNapel consegue criar uma história divertida que prende a atenção, apesar dos muitos clichês presentes ao longo de boa parte do quadrinho. Imagino que a presença desses clichês é até proposital, porque o leitor nota um quê de brincadeira nessas abordagens, como se o autor procurasse entreter os leitores com mais esse elemento, também. De qualquer modo, emerge das páginas do álbum uma espécie de garra que prende o leitor, e, assim, ele vira folha depois de folha sem se dar conta do tempo. Foi o que aconteceu comigo.
Sem dúvida, uma das características mais marcantes e curiosas de Fantasmópolis é a presença maciça do fator surreal, que enche as páginas do início até o fim. Certamente é esse fator que movimenta toda a obra e faz com que ela se torne tão convidativa ao leitor, além de ser o marco de originalidade que livra o quadrinho de cair na mesmice das histórias de fantasia. Todos os personagens, embora pouco aprofundados subjetivamente, são interessantes e possuem uma atração particular, cada qual a seu modo ligeiro.
Em suma, se você procura uma graphic-novel leve e desinteressada, Fantasmópolis pode ser uma boa sugestão. É possível gastar menos de uma hora e meia lendo esse álbum, que, além de bem-humorado, é divertido e imaginativo, narrado em linguagem ágil e econômica – bem aos moldes dos quadrinhos modernos.
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